O Estádio Mário Milani, localizado no Centro de Lazer do Trabalhador, é uma das grandes referências esportivas da cidade, onde são realizadas as principais partidas dos campeonatos municipais, como o já tradicional Amador. O que nem todo mundo sabe é que o patrono do campo foi diretor municipal de Itupeva e, nos anos 40, era um dos maiores ídolos da fiel torcida corintiana.

Nascido em Jundiaí, em 1918, o filho de Olinda e Fortunato Milani foi contador antes de brilhar nos gramados brasileiros, o que justifica sua atuação como diretor da Divisão de Finanças e Orçamento de Itupeva na década de 70.

“Não são muitos os jogadores que conseguem superar completamente o fim da carreira nos campos e literalmente começar uma nova vida. A carreira de jogador profissional de futebol normalmente se encerra entre os 30 e os 40 anos, quando a pessoa é jovem para a vida, porém velha para o que melhor sabia fazer. Nos anos 1950, quando os salários não eram muito altos nem para as maiores estrelas do futebol, era ainda mais comum que hoje um jogador encerrar a carreira e literalmente não saber o que fazer. Muitos acabavam se perdendo após encerrar a carreira ou passavam o restante de seus dias vivendo apenas do passado. Milani não fez parte deste último grupo”, conta Gustavo Longhi de Carvalho, autor do livro Milani – O Artilheiro Aviador (2009), biografia do ex-jogador e ex-servidor público.

Ao invés de se apegar ao passado e aos anos de artilheiro pelo Corinthians – marca que conquistou no Campeonato Paulista em 1942 e 43, com 24 e 20 gols, respectivamente –, Milani aproveitou o seu “terceiro tempo” longe dos gramados para trabalhar pela região, tanto em Jundiaí como Itupeva, e para se dedicar à família. “Ele vivia para a família. Porque a vida dele como jogador era muito difícil. Só viajava, para lá e para cá. Então, quando ele abandonou ela, aproveitava a família, ficar mais com a família”, relembrou a esposa, Maria Milani, no livro.

Milani (abaixado no centro) no Corinthians

O convite para trabalhar por Itupeva veio no início dos anos 70, quando já havia recebido reconhecimento como “Servidor Emérito do Município de Jundiaí”, depois de exercer por anos a função na cidade vizinha. Milani deu mais um exemplo de cidadania, ao recusar salário. “Ele aquiesceu de tomar conta da Prefeitura de Itupeva, nesse setor de contabilidade, gratuitamente. Ele falou: ‘Eu vou aí, arrumo a contabilidade, mas também não quero ter horário para entrar, para sair, nada… eu posso pegar os livros, levar…’ (…) Ele acabou ficando dez anos auxiliando a Prefeitura de Itupeva”, conta Tico Milani, irmão e responsável por preservar o material da carreira esportiva do jogador.

Homenagem

A Lei nº 193, que deu a denominação de Mário Milani à Praça de Esportes onde o estádio está localizado, foi decretada em 23 de dezembro de 1976 pelo prefeito na epóca, Waldemar Checchinato. O documento destacava que “Mário Milani será sempre lembrado como símbolo da honradez, do zelo e do desportista nato”.

“O prefeito e os vereadores acharam que ele, além de ser de uma competência muito grande, foi muito bacana. Então, resolveram tributar-lhe uma grande homenagem, e deram o nome de Estádio Municipal Mário Milani, em vida. Ele recebeu isto em vida… foi uma grande alegria para ele, para os familiares”, relembra o irmão Tico.

Em 1984, quando inaugurou as obras realizadas no local, o então prefeito Dorival Raymundo decretou a mudança no nome para Centro de Lazer Municipal, deixando a denominação de Mário Milani apenas para o campo (Lei Nº 323, de 20 de março de 1984).

Em 1988, o nome do Centro foi alterado para Centro de Lazer do Trabalhador (Lei Nº 515, de 9 de dezembro de 1988).

O goleador paulista

Antes de brilhar no serviço público, Milani teve uma carreira vitoriosa dentro de campo em times como o São Paulo e o Fluminense, onde foi campeão Carioca, Interestadual e do Torneio Início (1940). A consagração e o auge da carreira, no entanto, vieram no Corinthians, onde foi artilheiro, chegou à marca de 100 gols (em 131 partidas disputadas entre 1941 e 1948) e alcançou o status de ídolo, recebendo o apelido de “Menino de Ouro”.

Pelo clube alvinegro, o jogador conquistou vários títulos, como o Paulista e o Interestadual em 1941, o Torneio Taça de São Paulo (em 1943) e o Torneio Início (1945). Também conquistou títulos pelo Selecionado Paulista, campeonato nacional disputado na época entre seleções estaduais, em 1941 e em 1942, ano em que também foi o artilheiro da competição, com 11 gols.

Seleção Paulista

Deixou o Corinthians aos 30 anos, em 1948, atuando pelo Juventus da rua Javari até 1950, quando chegou a assumir o Moleque Travesso como treinador, por um curto período. Se aposentou dos gramados em 1951, jogando pelo  Paulista de Jundiaí.

Na revista Placar 581 – Craques do Brasil, lançada em 2000, Milani apareceu em 36º lugar entre os 50 melhores jogadores da História do Corinthians.

Muito além de um boleiro

Além da grande habilidade com a bola nos pés e com os números, Milani possuía outros talentos. Na adolescência foi campeão de Bola ao Cesto (basquete) pela Escola Professor Luiz Rosa, Esportiva e Associação dos Empregados do Comércio. Também foi professor substituto de Contabilidade e diretor tesoureiro nas Escolas Padre Anchieta, na segunda metade dos anos 1940.

Quando era jogador do Corinthians, Mário também aprendeu a pilotar aviões no Aeroclube de Jundiaí, recém-inaugurado na época. Com isso, no comando de um Paulistinha (pequeno avião monomotor bastante popular), pilotava até o Campo de Marte, em São Paulo, para se apresentar aos treinos no Parque São Jorge. A inusitada qualificação também inspirou o título de sua biografia.

Quem o conheceu, lembra que ele era diferenciado não apenas pelo talento, mas também pela educação e na forma sempre atenciosa de tratar as pessoas. Teve dois filhos, Olga Maria Milani e José Antônio Milani, além de netos e bisnetos. Recebeu, além de Itupeva, homenagens em Jundiaí (em um viaduto na rodovia Dom Gabriel Paulino Bueno Couto e no Complexo Educacional, Cultural e Esportivo) e em Ivoturucaia (Centro Esportivo).

Mário Milani viveu em Jundiaí ao lado da esposa, com quem foi casado por quase 60 anos, até o seu falecimento, em 2003.

Artilheiro, piloto, pai, esposo, diretor contábil, professor. São muitas as características que reuniu, cada uma delas suficientes para garantir a memória respeitosa ao “Menino de Ouro”, que tem um lugar de merecido destaque no crescimento de Itupeva e garantido seu nome entre os grandes do esporte nacional.

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P.S.: Um agradecimento especial ao Gustavo Longhi de Carvalho, por ceder fotos e informações do livro de forma tão atenciosa.