Como (não) ser um bom corredor
Chega uma hora que se percebe que não vai viver para sempre e que é possível, no máximo, levar a vida o melhor que puder. Isso significa comer aquelas verduras e legumes que sua mãe te obrigava na infância, diminuir o refrigerante e as frituras e praticar atividades esportivas. E foi por isso que eu decidi começar a correr, atividade que venho praticando há um tempo, embora minha rotina de treinos caótica tenha atrapalhado um pouco para que eu possa ter um desempenho mais digno de nota.
Para manter a motivação, comecei a me inscrever em corridas e participei de várias nos últimos anos, incluindo 5 São Silvestres. Cada prova tem sua particularidade, ficam marcadas de alguma forma em nossa memória. Lembro de uma que foi bem organizada e com um percurso legal. Um dos problemas, no entanto, foi a falta de água durante o trajeto, já que os dois únicos pontos de água ficaram sem reserva muito rápido e quando cheguei já não tinha mais. Isso me ensinou que quem vai devagar tem muito mais chance de vencer… vencer a desidratação, por exemplo.
Bom, logo depois do primeiro quilômetro, meu parceiro de corrida, o “fabianático” Elton Pavani, me mandou um “Vou acelerar, ‘bonito'” e me deixou para trás, sem suporte e preocupado. Mas minha preocupação não era por correr sozinho, já que tinha minha trilha sonora pessoal pra me
acompanhar (munida de muita salsa e merengue), mas como era uma corrida do G.A.C. (Grupo de Artilharia e Campanha), houve participação de dois grupos de soldados e, graças a isso, descobri que poucas coisas na vida assustam tanto quanto olhar para trás e ver um batalhão de soldados sem camisa cantando e correndo em sua direção. Isso é um grande incentivo para continuar correndo, mas minhas pernas não estavam de acordo com minha mente, então eles me ultrapassaram antes da metade da prova. Imagino que até os mortos vivos de um bizarro apocalipse zumbi levariam vantagem e me ultrapassariam. Aliás , ser ultrapassado é uma coisa que aconteceu bastante nessa minha vida de quase atleta e, nessas horas, é preciso aprender a controlar o orgulho. Porque ser ultrapassado por corredores amadores não é nenhuma vergonha. Mas comecei a ficar um pouco chateado quando senhoras de 90 anos me deixavam para trás. Mesmo assim, continuei na corrida e fiz valer o meu treinamento (coisa de uma vez por semana) e também ultrapassei muitas pessoas (as que estavam sentadas nas calçadas assistindo a corrida, no caso).
Logo pela metade do trajeto, meu corpo começou entrar em modo de economia de energia, mas consegui manter o ritmo sem desistir. O suor escorria pela testa, minha camisa já estava ensopada e a sede aumentava.
Nos últimos dois quilômetros, começaram os trechos com subidas e percebi que seria a hora que a prova separaria os homens (que estavam bem longe na minha frente) dos meninos (que também já haviam me passado), restando as pessoas com mais de 90 anos, as crianças de até 5 e pessoas pulando numa perna só (que também estavam na minha frente).
Mas havia outros atrás de mim, tipo aquele cara de moto que ficava gritando “Vai ‘campeão’, a gente não tem o dia todo”. A essa altura da corrida , os pontos de água começaram realmente a fazer falta e descobri o que significa a expressão “suar sangue”, pois não havia mais água no meu corpo e sangue era o único líquido que restava. Até pensei em desistir, mas lembrei daquele filme do Van Damme, “Retroceder nunca, render-se jamais”, foquei meus olhos na luz do fim do túnel (que devia ser o sol torrando meus neurônios, soltei um grito de guerra que orgulharia o próprio William Wallace e seu “Coração Valente”, e dei tudo de mim! Foi nesse momento, quando ficou quente demais, havia água de menos, que aumentei a velocidade e ultrapassei muitas pessoas, percorrendo os quilômetros restantes em poucos minutos! …aquela ambulância que me socorreu era realmente rápida!
Enfim, mais uma corrida concluída!